sábado, 26 de abril de 2014

Aranofsky

NOÉ DE ARONOFSKY



Aprendi a admirar Aronofsky, particularmente depois do Cisne Negro  (EUA,2010) obra que mereceu injustamente, duros reparos dos críticos portugueses.

Sem ironia, considero Aronofsky um erudito, neste tempo hipermoderno.

Darren Aronofsky : constam do currículo deste realizador filmes notáveis , entre outros,  Requiem for a dream, 2000, The Wrestler, 2008, Black Swan, 2010,de que já falamos.

Fomos ver Noé, o último filme do autor, em exibição em Portugal.

Que dizer?

Na ficha técnica estão os atores, todos sem reprimenda Anthony Hopkins Emma WatsonJennifer Connelly Kevin DurandMadison Davenport Russell Crowe, este no papel de Noé.

O realizador   transmite uma enorme força  na ação da sua personagem  central   Noé, Russel   Crowe, personagem bíblica,  Antigo Testamento ,  Livro do Génesis, naturalmente  associado ao dilúvio, momento em que  as águas   vindas do céu  inundaram a Terra e Noé, que  a mando de Deus com a família, navegou na  arca para salvar os animais da extinção por afogamento e morrer, ele próprio e os seus,  nesta missão.

Podemos entender que Aronofsky alterou os dados da história narrada na bíblia, afastando-se da letra, introduzindo acontecimentos criados por si ,  que não foram narrados  por Deus, o verdadeiro autor?

Sobrepôs-se à letra dos acontecimentos, a Deus, imaginem, mas a questão que importa saber sobre o novo Noé de Aronofsky   é   :

Aronofsky transgride o sentido do Noé divino?

O que Aronofsky fez foi uma síntese dos três principais personagens  do Livro do Génesis,   entre:

i)             o  verdadeiro Noé, o da Bíblia, o do dilúvio, acontecimento   que visava  castigar e punir o homem, representante do   Mal ,  figurado na   serpente, o veículo  e em Caim, o fruto.

ii)            Abraão, o que ia matar seu filho a mando de Deus, mas que se absteve no ato, 
não  por determinação do Criador que disso se arrependeu.

Personagens à parte, Aronofsky   apresenta  o dilúvio-acontecimento como  ele é narrado na bíblia, o castigo  que se segue  temporalmente à expulsão  do homem do jardim do Éden .

Nesta essencialidade ele respeita o sentido bíblico. As causas do (s) castigo (s) são as já conhecidas : a centralidade do homem na trilogia do Mal.

Com efeito: 

i)

Caim representa o Mal, sucedendo no tempo á serpente, que afinal o gerou, ou pelo menos ajudou a gerar, seduzindo Eva, no Jardim do Éden, a primeira Maldade, o sexo, como estamos lembrados, imediatamente antecedida pelo pecado da desobediência, a Maldição primordial, completando-se a trilogia do Mal.

O Deus bíblico, o Criador do mundo, ter-se-á arrependido de o ter criado, tendo desistido do homem, sua criação de eleição, pois este não fez por merecer o seu Deus, obedecendo-Lhe.

Com efeito, a criatura, o homem matou o seu irmão,  o homem o Mal encarnado: o episódio de Caim é central e recorrente no filme e expressa a centralidade  do Castigo, na lógica  da criação.

O filme recria a história do Mal, convinha não esquecer, com fidelidade, com emoção e com um raro sentido do sagrado.

Com efeito, o filme convoca a história primeira (de Deus, portanto) do Castigo do  Mal, da Maldade e da Maldição, o que é obra, sem transgredir o sentido bíblico, o que seria um mal menor.

Assim, o dilúvio é  o Castigo, a morte coletiva já que a morte individual tinha sido sancionada por Deus, no momento da expulsão do Éden.

Lembremos a bíblia:

o homem desobedeceu por querer ser igual a Deus, por ter “comido” simbolicamente, o fruto da árvore do conhecimento, passando a distinguir o Bem do Mal, fruto que afinal não era uma maçã real, nem sexo real como o representa a cultura eclesiástica, a cultura popular e também Aronofsky, mas não o texto da bíblia se diretamente consultado o que eu aconselho.

O dilúvio é a história do Castigo de Deus, salvando Ele os animais inocentes e é também  isso que Aronofsky nos lembra neste filme genial mas inflacionado em temas, todos primeiros na história da construção do homem.

A "criação de Aronofsky"

No filme existe um episódio, de todo estranho à história do dilúvio e da arca de Noé, episódio de sabor abraâmico, digamos:

ii)Tal como o Abraão bíblico, que  vai matar o filho a mando de Deus, como sinónimo de fé absoluta, o Noé  fílmico irá matar as netas  a mando indirecto de Deus, como prova sua fé e obediência absolutas, na missão de extinguir o homem e salvar os animais.

Horror, digo eu.

 No filme, Noé pára a execução porque se emociona ao sentir amor pelas netas, as duas fêmeas humanas que faltam à futura reprodução do homem, da humanidade.

Ou seja, Aranofsky inverte a hierarquia da Bondade,a outra face da Maldade, o homem é melhor que Deus-

Isto sim é revolucionário  no domínio da História Primeira.


Será    esta a razão porque o filme foi proibido nos países árabes?

Trata-se de um momento muito mobilizador da atenção e emoção dos espectadores, interessante sob o ponto de vista da intensidade dramática: na sala do cinema instalou-se um silêncio profundo e gelado, tendo todos os mastigadores de pipocas cessado a sua ação ruminante.

Se esta não é a prova da existência de Deus é, certamente, a prova da existência de Aronofsky.

terça-feira, 8 de abril de 2014

“O regresso a casa” Harold Pinter, no D Maria II

“O regresso a casa” Harold Pinter, no D Maria II

A acção inicia-se com o regresso a casa de Teddi (Ruben Gomes)   em visita aos  dois irmãos e  ao pai Max, pensionista pobre    (João Perry) visita de apresentação da sua mulher Ruth , mãe dos seus três filhos.

Até aqui temos a banalidade.


O irmão  de Teddi, Joey é um  pugilista modesto ( João Mamede) o outro irmão é agenciador de pequenos negócios, tais como a prostituição  de bairro.  O irmão de Max, o pai, é motorista de táxi  (Jorge Silva Melo) alminha que morre subitamente, sem provocar , tal facto, nenhum sentimento.

Aqui começa o distúrbio.

Se as personagens são  pobres em  recursos financeiros, já a casa  da família onde tudo se desenrola é indiferente, não é pobre, não é rica. Esta foi a escolha do encenador.

Tudo começa com um diálogo  infra- matinal, entre o pai Max e o filho agenciador, ambos sentados na sala, de manhã.

No diálogo não parece haver  intenção de agredir, nem do pai, nem do filho, mais parecendo  a conversa uma altercação  doméstica e pateta.

Joao Perry opta por um dicção arrastada, quase demente, entre-cortada por picos de voz  estremecida, emocionados , sem que o texto o justifique, picos muito rápidos, enfatizando, talvez, o absurdo que  adivinha.

Esta composição da personagem por Perry não nos parece feliz, já  que seria expectável alguma sacralidade dramática nos dizeres do pai, dono da casa, chefe do clã,  muito irritado com as ninharias matinais  do costume, mas mesmo assim o pai.

Elementos fora do ambiente:

Teddi faz a diferença, com o seu fato impecável e perfil  discreto, homem de poucas falas que  fala pouco, por sinal.

Ao despir e ao vestir o seu sobretudo branco de um comprimento e sumptuosidade notáveis, mais parecia  aquele sobretudo  um paramento.

Este filho Teddi, professor universitário nos EUA, doutorado em Filosofia, introduz o elemento de  diferença de classe social nesta família: a grande tensão, que se aproxima, fica assinalada.

 Porém, nenhum tema  da filosofia do dia a dia  é da  especialidade de Teddi, não respondendo, por isso ao irmão agenciador  de prostitutas, que formula perguntas muito bem estruturadas, todas sem resposta...

Será a mulher deste irmão Teddi que  resolve não partir com o marido para junto dos três filhos , nos EUA, ficando na casa da família, em Londres.

A mulher irá, pelo menos assim decide, depois da partida do marido, dedicar-se à prostituição, em benefício  da família do marido, pai e irmãos.

Este projecto surge do nada, na vida do casal visitante, mas no decurso da peça vamos perceber que não levanta qualquer tipo de conflito.

Na perspectiva da cultura ocidental tradicional, em que a pobre da Eva depois de seduzida pela serpente, se dedica, em exclusivo, a Adão  e aos benefícios do lar cristão, que corresponde à continuação do Jardim do Eden, esta  súbita e inesperada destinação de Ruth  ao Mal - saltamos do reino de Deus para o reino da serpente e do animais rastejantes -  escolha aparentemente desmotivada, deixa o espectador  incrédulo, o que ficou bem  expresso nos fracos aplausos, no D, Maria ll, espectadores  onde eu me incluía.

Sendo a peça de 1963, é de acreditar que Pinter tenha invertido o texto, como se  lhe tivesse apetecido  saltar da cultura à contra-cultura. Era assim nos anos 60. Saltar da fotografia ao negativo .

Porém, neste momento , em Portugal seria mais  aceitável, menos absurdo  para o público que a pobre senhora, a Ruth, se  tivesse decidido dedicar  à prostituição para sustentar a família do  seu marido Teddi. o que daria oportunidade a mostrar como a mulher é um ser solidário,  em tempos de crise....

Por alguma razão ele, Pinter  é um cultor do absurdo. Segundo  Esslin, 1961. o teatro do absurdo  esforça-se por expressar o sentido do sem sentido, escola  em que se insere Pinter, como sabemos.

E que bem conseguido foi!

 A teatralizarão do absurdo é algo que faz bem a todos. Disso não temos dúvida.

Mas para celebrar Abril parecer-me-ia dispensável somar mais absurdo ao absurdo.

Pinter foi prémio nobel da literatura em 2005. Mas porque não um autor nacional?




quarta-feira, 2 de abril de 2014

Por um fio, uma nesga



É frágil, leve, sem consistência a  linha que separa a vida da morte.

Um raio, um carro desgovernado, um embate  e a luz apaga-se para sempre.

Esperamos ser , sempre, a unidade que se salva ...e lutamos para , ainda amanhã, ver o sol

Por um fio......