segunda-feira, 30 de março de 2015

Pirandello no TNDMII

Pirandello ,1867-1936




«Ele foi Mattia Pascal» ou  « O Falecido Mattia Pascal»  e  agora  o equivalente «O falecido Albano Jerónimo» no  D. Maria II.

 Albano Jerónimo está bem vivo e recomenda-se e ainda bem.

É um esquema  de títulos para atrair público.

Já quanto a Pirandello ... está irremediavelmente morto para todo o sempre. Pirandello andou vivo por aí, em Itália, onde teve uma biografia bem atormentada e sofrida, como nós.

A vida de Pirandello apanhou as duas últimas décadas do século XIX, pródigas em acontecimentos, mas em que a "preparação" da primeira Grande Guerra, 1914-1918, começara a delinear-se, a ganhar vida,a ganhar peso, guerra que viria a ser , só por si «O acontecimento do século XX» na Europa (devidamente acompanhada de sua irmã, a 2ª Guerra).

Acredita-se que a violência , a pré-guerra, digamos assim, seja um processo de construção lenta, por vezes pouco visível.

É, por isso, no  caldo cultural  do pré-fascismo italiano  que as escolhas sociais ( autoritarismo e morte) foram feitas e quando Pirandello nasceu para o mundo, pouco lhe restaria, senão aceitar , décadas mais tarde, o patrocínio  de Mussolini, ou apadrinhamento , se preferirmos esta palavra que o próprio viria a renegar.

É  já num ambiente de guerra  instalada que a  peça , ou o livro  em que  se inspira, nos vem  lembrar a verdade improvável, de  quão ténue é a fronteira entre a vida e a morte .

Na verdade,  a Pascal, ou Albano, tanto dá, é-lhe dado  desapropriar-se da   sua personalidade civil , do seu BI, descartando - o para   alguém que  estava morto numa perspectiva física , para  um cadáver qualquer sem identificação..

  Na ocasião , Pascal  aparta-se   da sua família e amigos, de cujo convívio se ausenta sem grande pena, com algum dinheiro no bolso ( melhor, na pasta) para sua alegria.

Mas ele há-de regressar deste óbito social  oportunista  e fingido.


Assim aconteceu, cenas volvidas, e na sua nova   encarnação civil, de novo, é   Pascal, ou Albano, a viver, vivinho.

Ou seja, voltamos à casa zero deste jogo.


No final, a peça , porém,  diz-nos mais qualquer coisa  , mais uma, essencial :

Se socialmente o "Outro" é uma construção nossa,do Eu, é verdade que  nós , melhor o EU, também é uma construção reflectida,  da autoria   social do "Outro", construção feita  tijolo a tijolo , todos os dias.

E no caso do livro de Pirandello a construção  do EU,  de Pascal , de Albano pelo "Outro", a família e amigos é feita até à última gota, um cálice de hipocrisia, duro de tragar , até à morte.

 Assim, a construção culminou em desconstrução, até ao fim dos tempos.

Como quase tudo!







sábado, 7 de março de 2015

"Mil vezes boa noite" de Erik Poppe



Erik Poppe dirige Juliette Binoche (Rebecca, a mulher) contra Nikolaj Coster Waldau (Marcus, o marido) lançando-os num vórtice, em que o centro das  rotações é dominado pelo amor recíproco e pelo desamor.

O amor está lá , como ponto de partida.

Mas de onde surge o ódio, a raiva ?

À semelhança de Poppe na vida real, Rebbeca é repórter  de guerra  na ficção , no filme.

 Rebecca é uma mulher  interiormente livre e usa o seu gosto pessoal pela liberdade a favor da criação artística,  em benefício das impressionantes fotografias de guerra que  faz, a favor das vítimas , seres  pobres, sem pátria ou religião real, fotografias que usa para denunciar as situações aí envolvidas.

No primeiro conflito de guerra , em Cabul, segue uma mulher bomba, uma mártir islâmica que acaba por se detonar num mercado, gerando uma cena de  grande horror.

Sendo a mulher um ser oprimido , mais nestas sociedades islâmicas que nas ocidentais cristãs ( talvez!) temos dificuldade em perceber como os homens, seus compatriotas, lhes  atribuem, este posto tão valorizado, de mártires...

Já dentro do seu casamento, o marido, Marcus, coloca-se na primeira linha  do seu repúdio, da mulher, atirando-a para fora de casa , como a um cão sarnoso, quando esta regressa ao lar vinda da Nigéria , de um campo de refugiados, por ter posto a sua, dela, segurança, incomensuravelmente, em risco....!!!

Na verdade, Marcus é  muito piedoso e expulsa-a pelos melhores motivos: não ver as filhas de ambos  a sofrer com a profissão de  alto risco da mãe, Rebeca.

Depois de perder a família, uma segunda guerra, como vimos, Rebeca acaba por se perder a si própria, por perder o seu ímpeto de liberdade, ao confrontar-se, de novo, em Cabul com uma nova mulher- criança, bomba.

Sem coragem para voltar a sofrer o mesmo horror é engolida sendo a sua alma arrastada, no ralo das perdas  imensas e reais da vida...

O corpo fica cá, cambaleante, de amargura, a sinalizar a maior das perdas, que é a de ficar vivo , em determinadas condições! 

É um filme que mostra que a fragilidade  desta mulher, como de muitas, é a sua força e vice-versa.

Uma agradável surpresa esta Rebeca!