quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Clarice Lispector, A vida íntima de Laura

A vida íntima de Laura

Um conto infantil de Clarice Lispector, por Relógio D´Água, 2012

Não acredito no género “ infantil”.

Porquê?

 Porque quando os momentos infantis saem de nós ficamos uns adultos dignos.

 Dizia Fernando Sabino que “nasceu homem” mas morrerá, morreu,” menino”.

Seremos, pois, meninos todos os dias,  depois de perdermos os pais, ou  outro afeto fundamental e primordial.

Antes disso, somos eternos, depois meninos.

O conto de Clarice:

Laura é uma galinha poedeira, muito estimada no galinheiro pela família, galo e pinto- filho, pelos donos e vizinhos, respeitada como ela foi, depois de grande sofrimento na sua vida pessoal.

Laura é Clarice,a autora, afinal.

Clarice, fala dela própria, do seu  próprio tempo,  de ovos de ouro, neste conto, dedicado ao filho(s)

Ela escolhe frequentemente  e metafóricamente a galinha/ovo, quem nasceu primeiro, para figurar a trama do Tempo

 (sendo frequentemente “gozada” pelo “ridículo da sua escolha” pelos sublimes editores/críticos, enfim)

Diz um editor, numa entrevista,  a propósito desta escolha que “galinha só no churrasco” e sorri de forma brejeira, como se tivesse garantida a cumplicidade do mundo!!!

Mas o  foco, agora, é que Clarice  está, no conto e na sua obra em geral, preocupada a pensar oTempo, com humildade, a propósito de banalidades, como a Filosofia, faz  com pompa, por vezes ( muitas, demais!)

A filosofia está dentro de Clarice é a sua joia imorredoura  sai dos seus textos de forma inesperada , talvez até para ela.

No caso de Clarice a Filosofia não é uma retórica organizada,  não tem um plano, nasce como os soluços de um choro, por aqui e por ali.

Quem veio primeiro, a galinha ou o  ovo ? E temos o direito de matar Laura, uma galinha feliz?

 Esta  será, talvez, a versão popular do tema perante  o qual as crianças ficam incrédulas e os adultos também.

Clarice  escreve Filosofia em estado puro, melhor cai na Filosofia, como se ela fosse uma armadilha nos seus textos, na sua vida e é encantadora encantatória, nestas quedas.

 Clarice escolhe a morte, a morte  de Laura, provocada  pelo homem,   Laura é  a galinha, como momento para expressar a sua   grande compaixão pelos animais e para falar dela, da morte outra senhora inscrita no Tempo.

Clarice  está, no conto,  na pele de uma predadora  civilizada que adora galinha  “ ao molho pardo” civilizada, portanto, que engole esses pássaros, cozinhados civilizadamente , com molho pardo.

E também  fala da vida depois da morte, tema encarnado num pequeno marciano protector, transcendência servida às crianças desta forma maternal.

Clarice não liberta, não nos liberta, como a música e talvez a poesia o faça, torna-nos ainda mais prisioneiros da nossa própria existência, da nossa trama, da nossa tragédia.

Será mesmo ela “pensar isso”e escrevê-lo que nos libertará , estou a falar da sua obra e não deste conto, em particular.

Afinal, cada um de nós é uma galinha, ao molho pardo

Obrigada  Clarice, por nos lembrar disso todos os dias.






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