A vida
íntima de Laura
Um conto infantil de Clarice Lispector,
por Relógio D´Água, 2012
Não acredito no género “ infantil”.
Porquê?
Porque quando os momentos infantis saem de nós
ficamos uns adultos dignos.
Dizia Fernando Sabino que “nasceu homem” mas
morrerá, morreu,” menino”.
Seremos, pois, meninos todos os
dias, depois de perdermos
os pais, ou outro afeto fundamental e
primordial.
Antes disso, somos eternos, depois
meninos.
O conto de Clarice:
Laura é uma galinha poedeira, muito
estimada no galinheiro pela família, galo e pinto- filho, pelos donos e
vizinhos, respeitada como ela foi, depois de grande sofrimento na sua vida
pessoal.
Laura é Clarice,a autora, afinal.
Clarice, fala dela própria, do seu próprio tempo, de ovos de ouro, neste conto, dedicado ao
filho(s)
Ela escolhe frequentemente e metafóricamente a galinha/ovo, quem nasceu primeiro, para figurar a trama do Tempo
(sendo frequentemente “gozada” pelo “ridículo
da sua escolha” pelos sublimes editores/críticos, enfim)
Diz um editor, numa
entrevista, a propósito desta escolha que
“galinha só no churrasco” e sorri de
forma brejeira, como se tivesse garantida a cumplicidade do mundo!!!
Mas o foco, agora, é que Clarice está, no conto e na sua obra em geral, preocupada
a pensar oTempo, com humildade, a propósito de banalidades, como a Filosofia, faz com pompa, por vezes ( muitas, demais!)
A filosofia está dentro de Clarice
é a sua joia imorredoura sai dos seus textos de forma inesperada , talvez
até para ela.
No caso de Clarice a Filosofia não
é uma retórica organizada, não tem um
plano, nasce como os soluços de um choro, por aqui e por ali.
Quem veio primeiro, a galinha ou o ovo ? E temos o direito de matar Laura, uma galinha feliz?
Esta
será, talvez, a versão popular do tema perante
o qual as crianças ficam incrédulas e os adultos também.
Clarice escreve Filosofia em estado puro, melhor cai
na Filosofia, como se ela fosse uma armadilha nos seus textos, na sua vida e é
encantadora encantatória, nestas quedas.
Clarice escolhe a morte, a morte de Laura, provocada pelo homem,
Laura é a galinha, como momento para expressar a
sua grande compaixão pelos animais e
para falar dela, da morte outra senhora inscrita no Tempo.
Clarice está, no conto, na pele de uma predadora civilizada que adora galinha “ ao molho pardo” civilizada, portanto, que
engole esses pássaros, cozinhados civilizadamente , com molho pardo.
E também fala da vida depois da morte, tema encarnado num
pequeno marciano protector, transcendência servida às crianças desta forma
maternal.
Clarice não liberta, não nos
liberta, como a música e talvez a poesia o faça, torna-nos ainda mais
prisioneiros da nossa própria existência, da nossa trama, da nossa tragédia.
Será mesmo ela “pensar isso”e escrevê-lo que nos libertará ,
estou a falar da sua obra e não deste conto, em particular.
Afinal, cada um de nós é uma
galinha, ao molho pardo
Obrigada Clarice, por nos lembrar disso todos os dias.
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