segunda-feira, 2 de junho de 2014

A ditadura de Ozon

Jovem e Bela, ozoN


Pergunto-me se Ozon terá feito  uma boa  escolha ao atirar a jovem Isabel, de 17 anos , linda, para  o terreno  das sedutoras  híper -profissionais, onde as Evas  deste mundo cumprem a destinação   bíblica da  sedução, em troca de  algo, depois  de inventado o dinheiro, a  troco deste.

A jovem Isabel não necessita de dinheiro, é uma burguesa, estudante da Sorbonne, mas necessita, sim de afeto, pelo que vai procurá-lo na prostituição, diz Ozon, através da personagem.

Afeto, essa coisa que os mamíferos encontram naturalmente, na natureza e que o homem, essa divindade inteligente e civilizada tem dificuldade, tanta, em encontrar ou reconhecer, na sociedade.

A jovem neste seu percurso  encontra  três clientes , através de um site, dois homens bastante idosos(posto de outra forma velhos!)   um deles,  cardíaco morre durante a "entrega sexual" : é este, afinal,  o dador de afecto à jovem, segundo a mesma.

O outro,  espantado com a juventude e beleza  desta , profere um  aforismo que reflecte uma sabedoria ancestral  “ Uma vez p... sempre p...” resumindo a maldição  bíblica... que o filme relembra.

É o modelo judaico cristão . 

Alem destes dois clientes idosos, Isabel encontra  ainda, um  jovem maníaco que Ozon ridiculariza.

Curioso: a jovem agradece sempre delicadamente, no fim de cada encontro. Agradece o quê? 

A família

Nessa busca  de afecto Isabel  sai , irreversivelmente, da família que aliás despreza, sem que, em concreto, saibamos  porquê.

Olhando para a mãe vemos uma mulher muito frágil, ora distante, ora chorosa. Olhando para o pai biológico, não existe . É tudo.Temos um padrasto protocolar.

Afinal Ozon, que pensar?

Quais os erros e pecados, daquela  família ?

Durante todo o filme Isabel exibe  uma família normal ,não disfuncional : apesar de tudo, uma mãe   calma, um padrasto respeitador, um irmão mais novo  muito próximo dela.



O que  Ozon pretende com o filme ?
i)Perpetuar artisticamente, a maldição bíblica da mulher, a Eva do início dos tempos, a Eva que se envolveu sexualmente com a serpente,representante do demónio.
À mulher ele (Deus) disse, punindo-a :

 “Multiplicando , multiplicarei tuas tristezas e gemidos .Na tristeza darás à luz filhos e te converterás  para teu marido e ele te dominará.”

Duríssimas palavras a ecoar através dos séculos.

Existe, no filme a intenção  do reforço  da  fatalidade ?

Sim, está lá : a mulher é   a    impura ao nível do Ser,hipócrita. com hipótese de sair deste estado lamentável  apenas e ironicamente “pelo parecer” que o diga a mulher de César .

ii)Inclino-me para  a explicação  freudiana, no caso a interpretação  moderna da personagem (“A civilização e seus descontentamentos ” texto de 1930, tradução de 2005, Livro de bolso, Europa-América) que é a seguinte :

 A tese de Ozon teria sido  demonstrar   a «necessidade de punição» da jovem, desejada por ela própria, por sentir intenções «pecaminosas» em relação  ao mundo, punição, aliás,  conseguida, com êxito,pela  pobre Isabel, ao ser descoberta. 

Passe a ironia, com aqueles clientes,o resultado  punitivo estava assegurado, dizemos nós,sempre.

iii)a ditadura de Ozon

Curiosamente há uma uma   cena, onde a personagem Isabel se agiganta e  ganha  uma densidade quase insuportável: 

quando, depois de descoberta, fala mansamente, na sala  com o padrasto;

a mãe , de repente, entra sala e surpreende um gesto, um toque entre ambos: o terror da mãe instala-se e domina. 

Ali, sim está o diabo.

O filme  vale por esta cena. Um segundo de bom cinema, nesta catástrofe que é o filme que explora dogmas. 

Nesta cena,  Ozon  mostra que a sua normalidade  é incompatível com outras.

Talvez o filme seja apenas isto:uma forma de ditadura, sem  explicação.Um filme estatutariamente blindado.









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