sexta-feira, 3 de abril de 2015

Cinderela

Cinderela, ou « um curso infantil para o Casamento»


1-«Sê  bondosa e corajosa.... » é o conselho da mãe de Cinderela (Cindi) imediatamente antes de morrer.

Na sua orfandade súbita, Cinderela fica cheia de lágrimas .

 No seu choro  é acompanhada silenciosamente pelas crianças que enchem a sala.

Conselho de Mãe  já é uma coisa séria, mas se for dado antes desta morrer,caso de Cinderela, passa a ameaça " Se não fores bondosa e corajosa. vais  ver, Cindi!!!!!!!!!!!!!!!!!..."

(As coisas, ainda pioram, se a Mãe é ,se torna, um fantasma que vai deambular.) 

Sentem-se as alminhas infantis,espectadoras, na sala, a tremer.

2-Será que  este caminho , o da bondade e da coragem,  trás algum benefício, a Cindi?

Sim, claro que sim, trás-lhe , a  longo prazo, com a ajuda dos milagres da Fada Madrinha,ela própria  corajosa, em substituição da sua falecida mãe , um bom casamento, mesmo o melhor do reino.


 O melhor casamento do mundo, com o Príncipe que é  o homem mais bonito do mundo, mais poderoso do mundo, mais rico do mundo, mais apaixonado do mundo, por ela, mais, mais....do mundo.

Mas , no curto prazo, nos anos de juventude e crescimento, estes ideais, coragem e bondade, de nada lhe servem e só a bondade da Magia,da Fada, a salvam da triste condição em que caiu.

Pensem nisto, crianças !


3-A Madrasta, que  aparece na vida de Cindi depois da morte da mãe, é má e cobarde e ensina as filhas   a explorar o trabalho de Cinderela, a roubar-lhe o quarto e expulsá-la para o sótão.

Esta segunda "Mãe" é o negativo da primeira:Cindi   passará  de aristocrata a criada da mansão.

Depois da morte do pai, quase logo a seguir à da mãe, Cindi  atingirá  a orfandade total.

 Cindi, nesta condição, é  esmagada pela maldade e pela cobardia das outras mulheres da casa.

Cindi só não morre porque vive nas nuvens, a cantar aos  passarinhos, na janela do sotão!

É mesmo este trilho sonoro que o príncipe segue para encontrar Cindi.

4- Há   malefícios (ou benefícios) da prática da  Maldade e da Cobardia?

Em primeiro lugar, as filhas da Madrasta não se casam com o tal de  Príncipe, o Bem Supremo o  que só  poderia acontecer  a uma das  três rapariguinhas em causa.

 O Príncipe é o prémio do jogo.

Logo, elas, filhas da Madrastra, perdem o jogo pois falta-lhes a protecção da Fada, uma segunda Mãe , bondosa e caridosa.


5-A natureza, os réis e deus (es)

Cindi que se tornara uma rapariga pobre e desprezada sai dessa condição, consegue o verdadeiro amor, a verdadeira riqueza.


A Fada Madrinha tem o condão de ter uma varinha,  pauzinho   que convoca fantasias que se transformam em realidades e vice-versa.

O príncipe  tem o bastão ( esqueça Freud) espécie terrena da varinha, símbolo do poder   . 


Cindi passa a ter à sua disposição a  abóbora  (carruagem) o  sapato de cristal , pequenos répteis   ( cocheiros) toda a NATUREZA se transforma ... a favor dela...

....  para tornar possível o amor, o  casamento, a riqueza.


A natureza, os réis e deus (es) afinal, são bons e corajosos.

















segunda-feira, 30 de março de 2015

Pirandello no TNDMII

Pirandello ,1867-1936




«Ele foi Mattia Pascal» ou  « O Falecido Mattia Pascal»  e  agora  o equivalente «O falecido Albano Jerónimo» no  D. Maria II.

 Albano Jerónimo está bem vivo e recomenda-se e ainda bem.

É um esquema  de títulos para atrair público.

Já quanto a Pirandello ... está irremediavelmente morto para todo o sempre. Pirandello andou vivo por aí, em Itália, onde teve uma biografia bem atormentada e sofrida, como nós.

A vida de Pirandello apanhou as duas últimas décadas do século XIX, pródigas em acontecimentos, mas em que a "preparação" da primeira Grande Guerra, 1914-1918, começara a delinear-se, a ganhar vida,a ganhar peso, guerra que viria a ser , só por si «O acontecimento do século XX» na Europa (devidamente acompanhada de sua irmã, a 2ª Guerra).

Acredita-se que a violência , a pré-guerra, digamos assim, seja um processo de construção lenta, por vezes pouco visível.

É, por isso, no  caldo cultural  do pré-fascismo italiano  que as escolhas sociais ( autoritarismo e morte) foram feitas e quando Pirandello nasceu para o mundo, pouco lhe restaria, senão aceitar , décadas mais tarde, o patrocínio  de Mussolini, ou apadrinhamento , se preferirmos esta palavra que o próprio viria a renegar.

É  já num ambiente de guerra  instalada que a  peça , ou o livro  em que  se inspira, nos vem  lembrar a verdade improvável, de  quão ténue é a fronteira entre a vida e a morte .

Na verdade,  a Pascal, ou Albano, tanto dá, é-lhe dado  desapropriar-se da   sua personalidade civil , do seu BI, descartando - o para   alguém que  estava morto numa perspectiva física , para  um cadáver qualquer sem identificação..

  Na ocasião , Pascal  aparta-se   da sua família e amigos, de cujo convívio se ausenta sem grande pena, com algum dinheiro no bolso ( melhor, na pasta) para sua alegria.

Mas ele há-de regressar deste óbito social  oportunista  e fingido.


Assim aconteceu, cenas volvidas, e na sua nova   encarnação civil, de novo, é   Pascal, ou Albano, a viver, vivinho.

Ou seja, voltamos à casa zero deste jogo.


No final, a peça , porém,  diz-nos mais qualquer coisa  , mais uma, essencial :

Se socialmente o "Outro" é uma construção nossa,do Eu, é verdade que  nós , melhor o EU, também é uma construção reflectida,  da autoria   social do "Outro", construção feita  tijolo a tijolo , todos os dias.

E no caso do livro de Pirandello a construção  do EU,  de Pascal , de Albano pelo "Outro", a família e amigos é feita até à última gota, um cálice de hipocrisia, duro de tragar , até à morte.

 Assim, a construção culminou em desconstrução, até ao fim dos tempos.

Como quase tudo!







sábado, 7 de março de 2015

"Mil vezes boa noite" de Erik Poppe



Erik Poppe dirige Juliette Binoche (Rebecca, a mulher) contra Nikolaj Coster Waldau (Marcus, o marido) lançando-os num vórtice, em que o centro das  rotações é dominado pelo amor recíproco e pelo desamor.

O amor está lá , como ponto de partida.

Mas de onde surge o ódio, a raiva ?

À semelhança de Poppe na vida real, Rebbeca é repórter  de guerra  na ficção , no filme.

 Rebecca é uma mulher  interiormente livre e usa o seu gosto pessoal pela liberdade a favor da criação artística,  em benefício das impressionantes fotografias de guerra que  faz, a favor das vítimas , seres  pobres, sem pátria ou religião real, fotografias que usa para denunciar as situações aí envolvidas.

No primeiro conflito de guerra , em Cabul, segue uma mulher bomba, uma mártir islâmica que acaba por se detonar num mercado, gerando uma cena de  grande horror.

Sendo a mulher um ser oprimido , mais nestas sociedades islâmicas que nas ocidentais cristãs ( talvez!) temos dificuldade em perceber como os homens, seus compatriotas, lhes  atribuem, este posto tão valorizado, de mártires...

Já dentro do seu casamento, o marido, Marcus, coloca-se na primeira linha  do seu repúdio, da mulher, atirando-a para fora de casa , como a um cão sarnoso, quando esta regressa ao lar vinda da Nigéria , de um campo de refugiados, por ter posto a sua, dela, segurança, incomensuravelmente, em risco....!!!

Na verdade, Marcus é  muito piedoso e expulsa-a pelos melhores motivos: não ver as filhas de ambos  a sofrer com a profissão de  alto risco da mãe, Rebeca.

Depois de perder a família, uma segunda guerra, como vimos, Rebeca acaba por se perder a si própria, por perder o seu ímpeto de liberdade, ao confrontar-se, de novo, em Cabul com uma nova mulher- criança, bomba.

Sem coragem para voltar a sofrer o mesmo horror é engolida sendo a sua alma arrastada, no ralo das perdas  imensas e reais da vida...

O corpo fica cá, cambaleante, de amargura, a sinalizar a maior das perdas, que é a de ficar vivo , em determinadas condições! 

É um filme que mostra que a fragilidade  desta mulher, como de muitas, é a sua força e vice-versa.

Uma agradável surpresa esta Rebeca!








domingo, 15 de fevereiro de 2015

" O sniper americano"

O "sniper americano" (Bradley Cooper) chamava-se Chris Kyle,   um lendário soldado americano , na guerra do Iraque , que  entre 1999 e 2009  provocou o maior número de baixas  no exército antangonista ( dado histórico)

O  real  C Kyle  foi assassinado por outro veterano de guerra, já em solo pátrio, depois de regressado da sua 4ª missão no Iraque.

 O julgamento do homicida prossegue, ainda  hoje , na terra que foi de ambos.

Será que Clint Eastwood , CE,  quis  celebrar o clássico  herói americano ?

Não: nem  o herói , nem o anti-herói , figura  que podia  estar  " em jogo". Nada disso.

O que  celebra , de forma subtil, é o facto  de as guerras nunca acabarem, mesmo depois de chegarem ao  seu "fim" oficial.

Já depois do regresso,  Kyle ( atenção que Cooper está  muito acima do peso para a personagem) passa a conviver  com a sua mulher, como "caçador versus caçado"  mesmo a nível afetivo e até sexual ( a arma de guerra é uma ferramenta que, de forma" brincalhona"usa para simular o seu papel de "caçador e macho" , a cabine de duche é usada como gruta- esconderijo no deserto, etc, etc)

É , exatamente neste ambiente conjugal que o ambiente bélico prossegue , curiosamente sem qualquer belicismo.

 Aqui CE  mostra a sua mestria.

Kyle  , no final é assassinado por outro veterano em stress de guerra, como ele próprio,aliás.

Não há uma 1ª guerra ou 2ª guerra , as guerras perpetuam-se , mesmo na "paz".

Esta lição  serve à Europa , serve à Ucrânia : as guerras nunca chegam ao fim, acautelem-se Senhores.


sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A teoria de Tudo, ou quase



A teoria de Tudo

Trata-se de um filme romântico (será?) que nos traz  a história de amor vivida entre Stephen  Hawking, abreviadamente,  SH  e Jane  a quem o livro " Breve Historia  do Tempo  " é dedicado

 SH é reconhecido internacionalmente como um dos génios do século xx.

 Vítima de  uma doença gravíssima que o deixou paralítico, sendo a sua voz só audível porque sintetizada por computador,  SH sobrevive , cheio de luz, até ao casamento! 


Escreveu , em nota de agradecimentos, ao seu livro "Breve História do Tempo, Do Big Bang aos Buracos Negros" "edição Gradiva, 1988, "Resolvi tentar escrever um livro popular sobre o espaço-tempo depois de ter proferido, em 1982 as conferências de Loeb, em Harvard"

O livro é acessível, é divulgação cientifica  feita pelo próprio cientista, SH, pelo que o esforço foi bem sucedido.Infelizmente  está esgotado há muitos anos e nem agora a Gradiva se comove para nova edição.

Quem julgar que vai  perceber o tema, no primeiro terço do filme ,  não se engane . 

A preocupação do realizador é mais centrada em tudo o que se não ligue à compreensão do tema.

Com efeito, a primeira parte do filme  é a história de amor em si,que está em foco, é  o desespero  dele, provocado pelo diagnóstico da doença gravíssima de que padece, de acordo com o guião escrito pela própria Jane.

Ela  é muito voluntariosa,  e atira-se para um casamento de onde acaba por sair, por via de outro amor , o que nem é invulgar.

O romantismo  depressa entra em crise no casamento, mas SH não será um homem só, pois a sua genialidade e alegria são uma torrente de afecto  pelo mundo, pelos homens e mulheres e pelo extra-mundo, o tal dos buracos negros.

Mas  trás o filme algo de novo, a não ser sabermos que tão trágica história, refiro-me à doença, aconteceu e acontece, ao génio  SH ?

A miséria  daquele destino versus a Grandiosidade do homem, daquele homem, em concreto.

 É neste contraste que joga a moralidade do filme, por outras palavras : aos olhos de Deus somos todos iguais , no balanço dos tempos ! 

Mas substancialmente , nada trás de novo, como história de amor não faz carreira!

Tal como " O jogo da imitação" é uma narrativa histórica, fechada   , em  que o espectador permanece gelado na sua cadeira, talvez com  a consciência  de que , na miséria somos todos iguais .

Está tudo muito longe do homem comum.

Nada se criou, nada se transformou , apenas se plagiou uma já trágica realidade.

Ficamos à espera da Arte , a 7ª !









terça-feira, 20 de janeiro de 2015

o jogo da imitação



 Prepare a seguinte receita para  um filme ;

- uma narrativa bem organizada, ou seja, com princípio, meio e fim ( aqui deve verter-se a história pessoal de Alan Turing (1912-1954) ilustre matemático , lógico, cripto analista, pioneiro da inteligência artificial e ciencia da computação,

-uma acção dramática que enfatiza a sua  dedicação á causa de salvar vidas, na 2º guerra mundial, o que consegue ao nível dos 14 milhões, ao descodificar as coordenadas dos ataques nazis.

-ele é  honesto, íntegro, insociável e homosexual

-Como é hábito os Estados são implacáveis a trucidar este tipo de pessoas, sendo este homem condenado à castração química e terapia hormonal feminina.

 - fora do filme :com 42 anos de idade suicída-se , comendo uma maçã envenenada.

Este filme não tem a centelha  do Birdman.

É a história de uma vítima, trágicamente engolida pela má sorte do seu tempo.Mas é um filme fechado, todos vão "ver" o mesmo filme.Não  há abertura para o espectador , participar , construir  sentidos , sentir-se desafiado e sobretudo identificar-se.

Estamos todos demasido longe das capacidades mentais de Turing e até da lógica punitiva do governo de S. Magestade.

Foi o brilho de uma obra de arte que faltou!




Birdman | Trailer Oficial Legendado HD | 2014



De  que estamos a falar quando falamos de  "man"  ? 

Do homem ou do pássaro?

 Da pessoa, ou da personagem,  o "bird" ?

Quem controla esta dupla , de um só corpo e duas almas , aquela  pessoa amarelecida pelo tempo, o   velho, o homem ou o fictício e exuberante pássaro , personagem que lhe cavalga os ombros ,  famosa nas redes sociais, no cinema dos mega - heróis, criatura  de respiração ofegante e voz rouca ?

O homem-pássaro  pode voltar à  sua raíz , ao homem simplesmente  e   ser, aí,  autor , encenador e ator  de uma peça  , sobre o amor, mais especificamente   com o título " De que estamos a falar quando falamos de amor" ?

Estas viagens dentro do Ego , são  dolorosas  como o filme bem o mostra.

Quem vai libertar quem ?

No fim do filme vai sobreviver o pássaro , ou a pessoa, a pessoa , de verdade,  com a sua biografia  real , os seus anseios, medos e frustrações ?

Este filme vai responder ás perguntas seriadas, adopta métodos da   sócio - análise , rigorosas e vigorosas ,  cirúrgicas, tem uma estética surpreendente  e um transbordante  jogo  de sombras e luz.  .

Merecia ganhar os óscares (todos!?) mas é  uma peça dificil, profunda e exigente, talvez más recomendações para o juri de Hollywood.

sábado, 10 de janeiro de 2015

Mommy,2014
Xavier Dolan, Canadá

1.-Na última cena do filme , o muito jovem Steven , exactamente 15 anos, liberta-se do colete de forças que lhe «vestiram» no manicómio e corre muito , foge , com uma energia avassaladora, para uma porta , a verdadeira saída para a verdadeira liberdade, como um pássaro  a quem foi prometido o céu....

Certamente que, neste momento, o próprio Rosseau , tremeu sob a terra que o sepultou, por ter encontrado a sua alma gémea, na galeria dos  vivos, a de Steven.

Ouvimos mesmo um grito « Vive la France!» ( Não é verdade! Estou a fantansiar!) .

Ironias à parte, sabemos que este último filme de Xavier Dolan, de 25 anos, em França, teve mais de 1 milhão de espectadores.É a liberdade que é celebrada neste filme, tema bem caro à cultura francesa.


2.-Steven é uma criança e na sua forma de existir, frenética-sofre de hiperactividade- para ele, todas as coisas são  lentas e densas,

desde o amor à musica, que ouve num volume «pouco civilizado»

 o amor pela mãe, para quem rouba uma pequena jóia , de quem está dependente financeira  e afectivamente,

 pela vizinha, professora, com quem estabelece uma excelente relação de amizade, camaradagem e  aprendizagem

3.-Por onde «parte» este mundo quase equilibrado de Steven ?

De uma forma  surpreendente  e dramaticamente  traiçoeira  é a mãe a  vilã que recorrendo a um esquema  simulado , manda internar o miúdo , recorrendo aos serviços   do hospital/reformatório, cujos seguranças o apanham desprevenido     perseguem e "arrumam" com uma taser .

Porquê, em nome de quê? O filme não diz. E é, psicanalíticamente falando,  sobre   esta  falta de resposta do filme   que, provavelmente, se ergue o abismo, na  relação real  do próprio Xavier Dolan com a sua mãe .

Só no fim do filme nos libertamos desta cena de terror quando Steven  galopa a fuga para a liberdade. 

A mãe é  a instituição familiar -o pai tinha morrido anos atrás - e que  como instituição  e até como pessoa frágil ,  passa ao ataque  ao miúdo, priva-o de tudo, do mundo, da liberdade,  em nome do amor maternal  ! 

Pior era impossível !