NOÉ DE ARONOFSKY
Aprendi a admirar Aronofsky, particularmente depois do Cisne
Negro (EUA,2010) obra que mereceu
injustamente, duros reparos dos críticos portugueses.
Sem ironia, considero Aronofsky um erudito, neste tempo
hipermoderno.
Darren Aronofsky : constam do currículo deste realizador
filmes notáveis , entre outros, Requiem
for a dream, 2000, The Wrestler, 2008, Black Swan, 2010,de que já falamos.
Fomos ver Noé, o último filme do autor, em exibição em
Portugal.
Que dizer?
Na ficha técnica estão os atores, todos sem reprimenda Anthony
Hopkins Emma WatsonJennifer Connelly Kevin DurandMadison Davenport Russell
Crowe, este no papel de Noé.
O realizador
transmite uma enorme força na ação da sua personagem central Noé, Russel
Crowe, personagem bíblica, Antigo Testamento , Livro do Génesis, naturalmente associado ao dilúvio,
momento em que as águas vindas do céu inundaram a Terra e Noé, que a mando de Deus com a família, navegou
na arca para salvar os animais da
extinção por afogamento e morrer, ele próprio e os seus, nesta missão.
Podemos entender que Aronofsky alterou os dados da história
narrada na bíblia, afastando-se da letra, introduzindo acontecimentos criados
por si , que não foram narrados por Deus, o verdadeiro autor?
Sobrepôs-se à letra dos acontecimentos, a Deus, imaginem,
mas a questão que importa saber sobre o novo Noé de Aronofsky é :
Aronofsky transgride o sentido do Noé divino?
O que Aronofsky fez foi uma síntese dos três principais
personagens do Livro do Génesis, entre:
i) o verdadeiro Noé, o da Bíblia, o do dilúvio,
acontecimento que visava castigar e punir o homem, representante do Mal ,
figurado na serpente, o
veículo e em Caim, o fruto.
ii) Abraão,
o que ia matar seu filho a mando de Deus, mas que se absteve no ato,
não por
determinação do Criador que disso se arrependeu.
Personagens à parte, Aronofsky apresenta
o dilúvio-acontecimento como ele
é narrado na bíblia, o castigo que se segue temporalmente à expulsão
do homem do jardim do Éden .
Nesta essencialidade ele respeita o sentido bíblico. As
causas do (s) castigo (s) são as já conhecidas : a centralidade do homem na
trilogia do Mal.
Com efeito:
i)
Caim representa o Mal, sucedendo no tempo á serpente, que afinal o
gerou, ou pelo menos ajudou a gerar, seduzindo Eva, no Jardim do Éden, a
primeira Maldade, o sexo, como estamos lembrados, imediatamente antecedida pelo
pecado da desobediência, a Maldição primordial, completando-se a trilogia do
Mal.
O Deus bíblico, o Criador do mundo, ter-se-á arrependido de
o ter criado, tendo desistido do homem, sua criação de eleição, pois este não
fez por merecer o seu Deus, obedecendo-Lhe.
Com efeito, a criatura, o homem matou o seu irmão, o
homem o Mal encarnado: o episódio de Caim é central e recorrente no filme e
expressa a centralidade do Castigo, na lógica da criação.
O filme recria a história do Mal, convinha não esquecer, com
fidelidade, com emoção e com um raro sentido do sagrado.
Com efeito, o filme convoca a história primeira (de Deus,
portanto) do Castigo do Mal, da Maldade e da Maldição, o que é obra, sem transgredir o
sentido bíblico, o que seria um mal menor.
Assim, o dilúvio é o Castigo, a
morte coletiva já que a morte individual tinha sido sancionada por Deus, no
momento da expulsão do Éden.
Lembremos a bíblia:
o homem desobedeceu por querer ser igual a Deus, por ter
“comido” simbolicamente, o fruto da árvore do conhecimento, passando a
distinguir o Bem do Mal, fruto que afinal não era uma maçã real, nem sexo real
como o representa a cultura eclesiástica, a cultura popular e também Aronofsky,
mas não o texto da bíblia se diretamente consultado o que eu aconselho.
O dilúvio é a história do Castigo de Deus, salvando Ele os
animais inocentes e é também isso que Aronofsky nos lembra neste filme genial mas inflacionado em temas, todos primeiros na história da construção do homem.
No filme existe um episódio, de todo estranho à história do
dilúvio e da arca de Noé, episódio de sabor abraâmico, digamos:
ii)Tal como o Abraão bíblico, que vai matar o filho a mando de Deus, como
sinónimo de fé absoluta, o Noé fílmico
irá matar as netas a mando indirecto de
Deus, como prova sua fé e obediência absolutas, na missão de extinguir o homem
e salvar os animais.
Horror, digo eu.
No filme, Noé pára a execução porque
se emociona ao sentir amor pelas netas, as duas fêmeas humanas que faltam à futura reprodução do homem, da humanidade.
Ou seja, Aranofsky inverte a hierarquia da Bondade,a outra face da Maldade, o homem
é melhor que Deus-
Isto sim é revolucionário no domínio da História Primeira.
Será esta a razão porque o filme foi proibido nos
países árabes?
Trata-se de um momento muito mobilizador da atenção e emoção
dos espectadores, interessante sob o ponto de vista da intensidade dramática:
na sala do cinema instalou-se um silêncio profundo e gelado, tendo todos os
mastigadores de pipocas cessado a sua ação ruminante.
Se esta não é a prova da existência de Deus é, certamente, a
prova da existência de Aronofsky.